Estudo da Faculdade está na primeira edição de revista internacional

Estudo revelou dados inéditos sobre a eficácia do dexrazoxano na prevenção de cardiotoxicidade em pacientes com câncer de mama expostos a quimioterapia com antraciclina. Agora está publicado em periódico científico com relevância mundial


26 de novembro de 2019 - , , , , ,


Foto: Carol Morena

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o câncer de mama é o segundo mais comum no mundo. Felizmente, junto ao crescente número de pacientes há aumento do número de cura, o que está relacionado a diagnósticos precoces e tratamentos mais eficazes. Mas, por outro lado, a maior sobrevida dessas pacientes também está associada ao enfrentamento de doenças cardiológicas oriundas da toxidade da antraciclina, importante substância usada na quimioterapia. Por isso, evidenciar um medicamento cardioprotetor para esses casos é importante na garantia da qualidade de vida dessas mulheres. E é o que propõe o estudo realizado na Faculdade de Medicina da UFMG publicado na primeira edição da JACC CardioOncology, periódico científico internacional.

Em seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas a Saúde do Adulto da Faculdade, a autora Ariane Vieira Scarlatelli Macedo já havia constatado a eficácia geral do dexrazoxano. O uso da medicação reduziu em 80%, aproximadamente, o risco de insuficiência cardíaca em mulheres com câncer de mama que fizeram quimioterapia com antraciclina. Já para a publicação na revista dedicada à cardio-oncologia, ela revisou novamente a literatura e considerou o uso do cardioprotetor em diferentes estágios do câncer, desde o detectado no início até o já mais avançado, tornando seus resultados os mais atualizados na questão e inéditos nesta estratificação.

Verificamos que a droga permaneceu eficaz independente do estágio. Esse é um dado importante porque ainda havia dúvida sobre para quem se podia oferecer o medicamento.  E é um resultado inédito, já que não havia nenhum estudo com esse nível de detalhamento”, comenta Ariane Vieira, cardiologista e pesquisadora da Santa Casa de São Paulo.

Além disso, Ariane considerou outra preocupação da comunidade médica: o dexrazoxano interferir no resultado de cura do câncer. O questionamento era se a droga impedia a ação da medicação da quimioterapia apenas no coração ou também diminuía seu efeito no tumor. Mas ela não achou nenhum sinal desse risco. Para isso, avaliou todos os desfechos oncológicos das pacientes que fizeram quimioterapia tomando a medicação cardioprotetora em comparação com as que não tomaram. E considerou a resposta do tumor, se reduziu e não sumiu ou se desapareceu completamente, bem como a sobrevida geral dessas mulheres.

“Todos os parâmetros que oncologistas usam para resposta parcial ou a patológica completa, sobrevida geral ou sobrevida de nível de progressão (tempo até a doença voltar a aparecer) foram iguais para quem tomou o cardioprotetor ou quem não o tomou. Esse é um novo dado de segurança que não tinha”, afirma Ariane. A partir desses achados, ela acredita em um novo caminho de possibilidade do uso do dexrazoxano como uma segurança às pacientes com câncer de mama em tratamento.

“O câncer é um diagnóstico de grande impacto na vida da paciente. O tratamento é longo e o foco é mesmo acabar com o tumor. Mas a segurança do coração durante esse processo é muito importante. A alta taxa de cura, principalmente devido ao diagnóstico precoce, leva essas mulheres curadas do câncer sofrerem com o diagnóstico de insuficiência cardíaca ou outros problemas do coração decorrentes da quimioterapia”, ressalta a pesquisadora.

“Esses diagnósticos também impactam a qualidade de vida e até podem causar morte. Olha que estamos falando do de mama, mas se ampliarmos para outros tipos de cânceres também haverá os efeitos tardios da quimioterapia ou até durante o tratamento, o que pode levar ao enfraquecimento do coração, trombose, arritmia, risco de morte súbita, entre outros”, acrescenta.

Resultados que conscientizam

Dexrazoxano é um medicamento aprovado pela Anvisa, então é possível de ser usado em determinadas situações, como no sistema privado, mas ainda não é incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo Ariane Macedo, a sua pesquisa focou no câncer de mama devido a sua alta prevalência, mas os dados servem a outras especialidades. “Os tumores infantis, principalmente os não sólidos como os hematológicos, usam muito a quimioterapia com Antraciclina. Felizmente são casos com alta cura, mas essas crianças e adolescentes podem sofrer com um problema cardiovascular aos 20 ou 30 anos de idade”, informa.

“Já há estudos mostrando até 5 vezes mais prevalência de doenças cardiovasculares nessa população que passou pela quimioterapia com antraciclina comparado a população da mesma idade que não teve o tratamento. Mas é claro que a aplicação do cardioprotetor deve ter um estudo clínico para comprovação da sua eficácia e segurança”, completa Ariane.

Ariane Vieira Scarlatelli Macedo desenvolveu uma pesquisa com resultados inéditos sobre o uso de dexrazoxano como cardioprotetor em quimioterapia.

A cardiologista ressalta que esses dados não são para assustar, mas para conscientizar sobre a realidade existente. Inclusive, o risco de toxidade não é para todos os pacientes, mas o problema é que cânceres como o de mama, nas mulheres, e o de próstata, nos homens, geralmente se manifestam após 50 anos de idade, quando há aumento da probabilidade de terem doenças cardiovasculares. Por isso, ela defende um trabalho conjunto. Para os médicos ela acredita na necessidade da avaliação clínica, considerando todos os fatores de risco. Aos pacientes ela recomenda que pergunte ao profissional sobre o perigo do tratamento e o que pode fazer para ajudar a se proteger.

“Então essa pesquisa é importante para prevenir que a pessoa curada do câncer não desenvolva um problema cardiovascular, que pode até ser pior do que o próprio tumor e alertar a população para também cuidar da saúde cardiovascular enquanto trata o câncer, com atividades físicas regulares, alimentação adequada e cuidar das outras comorbidades”, propõe Ariane. “Além disso, o trabalho conjunto deve ser quando o oncologista, ao identificar risco cardíaco, encaminha o paciente para o cardiologista ou cardio-oncologista para estabelecerem uma estratégia de prevenção”, completa.

“A mensagem que queremos passar é que temos que trabalhar não só para melhorar o tempo de vida dos pacientes, mas também na qualidade de vida”, destaca Ariane. “Vamos continuar trabalhando com as pesquisas, levantando e respondendo mais questões, em prol do paciente. A universidade é um centro formador de médicos e cientistas, bem como do conhecimento, então tem cumprido seu papel para melhorar o tempo de vida e o tempo vivido.  Espero continuarmos sendo referência nessa área”, declara.

Reconhecimento internacional

Para Ariane Macedo, o ineditismo da sua pesquisa e dos resultados foram a razão de ter sido selecionada para publicar na primeira edição da revista JACC CardioOncology, da American College of Cardiology, que trata de uma nova área entre a cardiologia e oncologia, onde estão as doenças que mais matam no mundo.

Ela explica que quando criam uma revista na área científica é porque é um campo que tem chamado muita atenção, com muitas publicações diferentes e é preciso ter um local para procurar evidências de alta qualidade e confiabilidade. É como um selo da qualidade científica. “É uma certificação de que tem sido feito boas publicações na área e que o principal órgão de cardiologia do mundo, a American College of Cardiology, resolveu dedicar um braço de pesquisa para a cardio-oncologia, validando que as publicações que estão ali como de padrão ouro em termos de pesquisa”, comentam.

“É extremamente emocionante estar em uma revista com grande impacto como essa. Nós da comunidade da cardio-oncologia, que é do cuidado cardiovascular dos pacientes com câncer antes e durante o tratamento afim de evitar complicações, temos trabalhado muito nisso. O Brasil sempre esteve na vanguarda da cardiologia e esse é um trabalho de muitos anos, mas acabamos não conseguindo mostrar o que fazemos ao mundo devido às limitações das pesquisas no país”, conta Ariane.

“Então é muito satisfatório colocar a UFMG e o Brasil numa edição histórica da revista, porque é um reconhecimento do nosso trabalho realizado há muito tempo. Então não deixa de ser uma condecoração à cardio-oncologia do Brasil, uma projeção ao mundo e um reconhecimento de que produzimos pesquisas capazes de estarem em um jornal com grande impacto na cardiologia”, conclui.

A edição em que está a pesquisa de Ariane Macedo, nominada como “Efficacy of Dexrazoxane in Preventing Anthracycline Cardiotoxicity in Breast Cancer” (em português “Eficácia do dexrazoxano na prevenção da cardiotoxicidade da antraciclina no câncer de mama), foi publicada em setembro de 2019 no site da JACC CardioOncology. A periodicidade da revista é trimestral.


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