Nova perspectiva da pesquisa em tempo real

Como a mídia pode influenciar na interpretação dos resultados científicos?


16 de julho de 2020 - , ,


Ao longo dos séculos, a terra deixou de ser o centro do universo, Plutão foi rebaixado a planeta anão, assim como o átomo deixou de ser uma bola maciça e indivisível. À luz da ciência, nada é absoluto. Pelo contrário, teorias e ideias estão em constante mudança.

Mas é no momento atual, em que o mundo corre atrás de tratamentos e cura para a pandemia de covid-19, que as controvérsias e todas as etapas do processo científico, antes feitas de maneira mais discreta em centros de pesquisa, passam a ganhar enfoque da mídia. É a ciência, praticamente, sendo feita ao vivo.

O infectologista e professor emérito da UFMG, Dirceu Greco, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), explica que a ciência existe para ser questionada e que esse é um processo natural. Por isso, a importância da ampla divulgação.

“Primeiro, avaliar se aquilo foi feito de maneira correta, segundo, se parece factível, e se não parecer factível, a proposta seguinte é a repetição, se a pesquisa não puder ser repetida, ela deve ser retratada”, detalha.

De acordo com o professor, não é ruim para ciência ser capaz de dizer, “olha, não funcionou como a gente esperou que funcionasse, e tem que ser revisto e refeito”. Ao contrário, Greco afirma que se isso for bem divulgado, se torna até uma força para a ciência, que busca aperfeiçoar o conhecimento, de maneira transparente.

Ao vivo

No entanto, o que se vê neste momento de pandemia, são pesquisas e estudos sendo divulgados em todas as suas fases, desde a pesquisa a campo até sua publicação final. Muitos deles sendo rapidamente contestados, tudo sob o foco da mídia.

O professor emérito Dirceu Greco avalia que esse fenômeno atual, da ciência feita ao vivo, tem lados positivos e negativos. O positivo, como já mencionado, é a maior transparência dos processos. Já o lado negativo, é falsa esperança e o pânico, dependendo da maneira que essa divulgação ocorre.

“Muitas vezes o que foi discutido no trabalho não é exatamente aquilo que vai ser aplicado no dia a dia das pessoas. A publicização pode trazer expectativas que não estavam escritas dessa maneira na publicação”, analisa Greco.

O momento atual traz muitos exemplos dos efeitos dessa publicidade. Um deles é a busca por medicamentos que auxiliem no tratamento da covid-19. Isso porque, mesmo que apareça uma nova medicação, que funcione em experimento in vitro, isto é, feito em laboratório, existe um longo caminho até que esse conhecimento seja aplicável. Pode não ser algo imediato como boa parte das pessoas podem esperar.

“Esse caminho longo pode ser divulgado para as pessoas saberem. Tem a vantagem que quando você explica que esse caminho vai ser longo, você pode diminuir a pressão enorme que está acontecendo com esse conhecimento rápido, depressa”, avalia o professor.  

Ilustração mostra mudanças de perspectivas sobre o universo. Clique para ampliar.

Velocidade

A pressa para a busca de uma saída mais efetiva para pandemia pode ser inimiga da perfeição. Com os inúmeros estudos sendo realizados sobre a covid-19 e seus impactos, o trabalho dos avaliadores das revistas científicas se tornou maior. “As pessoas que refazem cada um dos passos da pesquisa estão sendo mais cobradas a avaliar mais rapidamente”, observa Greco. Com isso, segundo o especialista, há riscos até de repetição de estudos sem necessidade.

O episódio da renomada revista britânica The Lancet, que retirou publicação sobre cloroquina e hidroxocloroquina, traz um alerta para a necessidade de maior cuidado na avaliação tanto na área da ciência quanto da ética.

“É preciso que se tenha mais cuidado para que um fato como esse não ocorra ou pelo menos fique mais difícil de ocorrer, para que a gente possa ter uma reposta mais efetiva para essa pandemia complexa”, frisa.

 “E também sob o ponto de vista ético, para que o participante não corra risco que não deveria correr em tempos normais”, completa.

No entanto, o professor avalia que a retirada do estudo não invalida o fato de que o medicamento não tenha efeitos favoráveis comprovados ainda hoje.   

Ilustração mostra mudanças dos modelos atômicos ao longo dos anos. Clique para ampliar.

Esperança

Mas é justamente da ciência e de todos os seus processos, controvérsias e metodologias, que vem a esperança de um mundo livre de pandemia. Mas enquanto a vacina ou tratamentos mais eficientes não chegam, a orientação é se proteger o máximo possível.

“Nesse momento, quanto mais demorar que cada um se exponha para infectar, melhor ainda por causa justamente da ciência. Porque têm ensaios de maneira correta, chamados ensaios clínicos controlados, e pode ser que daqui a dois ou três meses tenhamos uma resposta que pode ser favorável”, conclui Dirceu Greco.

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