Lei da Palmada

Só uma palmada. Permitido ou proibido?

A criança não é um adulto em miniatura. Além do crescimento físico, durante sua vida, ocorre o desenvolvimento de estruturas psíquicas como a linguagem, o social, o cognitivo, moral, a própria imagem e a dos outros, etc. Este desenvolvimento depende, em geral, da saúde da criança, do temperamento, do meio onde vive e especialmente da interação com o outro. O protótipo organizador é a relação mãe-filho.

Também sabemos que a criança se envolve em diferentes situações embaraçosas tanto para ela quanto para seu cuidador, como a recusa a comer, ir à escola; a adoção de atitudes desafiadoras em relação aos responsáveis, bater nos irmãos, entre outras. Creio que, como princípio, precisamos tentar compreender, até determinado nível, o que acontece em cada uma dessas situações para sabermos agir.

Entretanto os adultos por vezes empregam métodos primitivos, físicos, como a palmada ou palavras humilhantes para solucionar essas questões. A escolha desses métodos ocorre porque eles estão incorporados na cultura; devido à falta de preparação das pessoas para educar crianças; à pressa, que é marca da contemporaneidade; a irritabilidade associada à vida estressante, os ambientes inadequados para uma criança, e muitos outros motivos.

O que preocupa é que a criança está em processo de desenvolvimento de estruturas importantes de sua personalidade.O  uso de métodos físicos poderá impactar esse processo e deixar sequelas. Por exemplo, a criança que experimenta essas formas de punição poderá adotar esse mesmo modelo para resolver conflitos no dia a dia ou no futuro. E o sofrimento psíquico pode comprometer o desenvolvimento psicológico, pois a dor dos métodos físicos pode levar ao medo e à adoção por parte da criança de estratégias defensivas para lidar com essas emoções. Como conseqüência poderá surgir na criança comportamento agressivo, de retraimento.

Tenho consciência da dificuldade de se substituir uma educação secular, instintiva e repressiva em que a sociedade já está condicionada, por uma abordagem compreensiva, visando adoção de atitudes que levem a uma educação construtiva e libertadora.

Algumas das medidas que podem ser tomadas para evitar esse panorama são: a preparação da sociedade para lidar melhor com essas situações; melhorar a qualidade de vida das pessoas para viabilizar e garantir a qualidade das interações humanas como as que envolvem pais-filhos; estimular a discussão sobre o tema; a implementação de leis já existentes (Estatuto da Criança e do Adolescente) e a criação de novas leis, como o Projeto de Lei da Palmada, que permitam instituir medidas adequadas de prevenção ou a abordagem com qualidade de situações ocorridas.

Prof. Antônio Lombardi Professor do Departamento de Pediatria e membro do Observatório de Saúde da Criança e do Adolescente (ObservaPED)

Publicado no dia 23 de setembro de 2010, no Jornal Hoje em Dia, 1º Caderno, página 5.