Doação de corpos para a ciência completa 25 anos de apoio à Medicina

Programa Vida Após a Vida é pioneiro no país dando suporte às atividades de ensino, serviços de saúde e desenvolvimento de novas tecnologias.


04 de julho de 2024 - , , , , , , , , ,


Há 25 anos, a ciência brasileira enfrentava um desafio histórico: a disponibilidade de corpos humanos para formar novos médicos e desenvolver técnicas de forma ética, legal e correta. Foi então que nasceu na UFMG o primeiro programa brasileiro de doação voluntária de corpos, o Vida Após a Vida. Em 2024, a iniciativa celebra um quarto de século, agora equipada com tecnologias avançadas de congelamento (fresh frozen cadaver) e com apoio de sociedades médicas e hospitais.

Por meio do gesto altruísta dos doadores, profissionais de saúde em formação adquirem conhecimentos essenciais que serão utilizados no cuidado de centenas de pessoas no futuro. A doação é totalmente voluntária e manifestada pelo doador em vida. A Faculdade de Medicina da UFMG cobre os custos de traslado e realiza os procedimentos após o óbito com o consentimento dos familiares.

Além das aulas de graduação, a Faculdade também tem apoiado, nos últimos meses, treinamentos para médicos residentes e especialistas, em áreas como restauração da coluna lombar e cirurgia pélvica e vaginal reconstrutiva, entre outras. Já foram 12 projetos realizados em parcerias que ocorrem junto a sociedades de especialistas, como a Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP) e a Associação Brasileira de Uroginecologia e Assoalho Pélvico (UROGINAP).

A UFMG é a única instituição de ensino pública no Brasil a utilizar a tecnologia de fresh frozen cadaver, que mantém a conservação dos corpos em câmaras de baixas temperaturas. Diferente da conservação em formol, método mais comum, os corpos recebidos pela UFMG são rapidamente congelados após o óbito, garantindo maior integridade dos aspectos biológicos para pesquisas e aulas. 

Diferente do que geralmente ocorre em empresas do setor de treinamento de habilidades médicas, na Universidade é possível realizar os procedimentos com equipamentos de fornecedores concorrentes, tornando o conhecimento mais democrático. Além disso, os custos envolvidos ou contrapartidas são menores.

Segundo o professor Kennedy Martinez, do Departamento de Anatomia e Imagem (IMA) e coordenador do Vida Após a Vida, a preservação com cadáveres frescos é inestimável para a ciência e o ensino, pois permite o desenvolvimento de técnicas que não podem ser praticadas em manequins ou animais. “O ganho é imensurável para a ciência e o ensino”, comenta.

O professor Arthur Nicolato, também do IMA, explica que o Vida Após a Vida resolveu uma demanda reprimida por corpos para atividades de ensino, pesquisa e extensão na Universidade, com grande participação do Hospital das Clínicas e de sociedades médicas de especialistas. “Esses treinamentos de alta qualidade trazem recursos e equipamentos para o laboratório, subsidiando outras atividades, como as de graduação. Não conseguiríamos alcançar tanta excelência de outra forma”, explica.

A história do Programa remonta a 1999, quando a Faculdade de Medicina foi procurada por uma senhora cuja tia, em fase terminal de uma doença grave, desejava doar seu corpo para fins de ensino. Na época, a Universidade havia recebido apenas um corpo dez anos antes, em circunstâncias semelhantes. Com o aval do Conselho Universitário e da Procuradoria da UFMG, a Faculdade aceitou a doação e iniciou uma campanha para cadastrar mais interessados, tornando-se o primeiro programa de doação voluntária estruturado no país.

Lápide construída no Cemitério da Saudade. Imagem: Acervo Pessoal.

Desde 2019, os familiares dos doadores podem prestar homenagens aos entes queridos no Cemitério da Saudade, em Belo Horizonte, em um espaço doado pela Prefeitura. A lápide no local celebra o ato nobre dos doadores com a inscrição: “Agradecimentos e homenagens jamais estarão à altura de seu altruísmo”.

O número de doadores cadastrados tem aumentado. Em 2017, eram cerca de mil pessoas; em 2024, o registro já ultrapassou três mil. A equipe do Programa enfatiza a importância de aumentar ainda mais esse número, uma vez que a doação só é efetivada no momento do óbito e depende da família acionar a Faculdade. Além disso, cada corpo pode apresentar variações anatômicas e condições únicas.

Transplante de pulmão

Outro impacto significativo do Programa será na retomada dos transplantes de pulmão em Minas Gerais, após um hiato de dez anos. O treinamento da equipe envolvida na cirurgia será realizado com corpos do Vida Após a Vida, previsto para ocorrer ainda em 2024.

O professor Daniel Bonomi, do Departamento de Cirurgia (CIR), explica que o transplante de pulmão é uma cirurgia de alta complexidade, e o treinamento prévio é crucial para o sucesso do procedimento. “Treinar com tecido de cadáver fresco permite que a equipe esteja pronta, garantindo que o transplante ocorra de forma mais fluida”, afirma.

O procedimento, que foi realizado no estado entre 1998 e 2014, estava suspenso devido à falta de uma equipe ativa para o transplante do órgão. Pacientes com indicação de transplante de pulmão eram cadastrados em listas de espera de outros estados e encaminhados para tratamento fora do domicílio. No ano passado, 18 pessoas entraram nessa lista.

Bonomi reforça que o treinamento levará a melhores resultados e mais segurança assistencial. “A reintrodução do programa permitirá treinar a parte técnica, entender o tempo cirúrgico e outros detalhes do procedimento”, explica.

Por fim, ele destaca a importância da doação de corpos para a ciência: “Esse tipo de doação permite o desenvolvimento e a melhoria da sociedade como um todo. É essencial ter isso em mente, tanto na área da Medicina quanto na vida. No lugar do paciente, eu gostaria de ser operado por uma equipe treinada da melhor forma possível. Portanto, o Vida Após a Vida permite que se faça uma Medicina melhor”.

Como doar

Não há pré-requisitos ou contraindicações para a doação. É realizada uma entrevista com o doador para informá-lo sobre todos os procedimentos. Qualquer pessoa maior de 18 anos pode doar o corpo, preenchendo e assinando o Termo de Doação na Faculdade de Medicina da UFMG, com a assinatura de duas testemunhas. Menores de 18 anos podem doar com o consentimento da família.

O Programa aceita doadores de Belo Horizonte e outras cidades de Minas Gerais. Se o óbito ocorrer em outro estado, um programa de doação ligado à universidade mais próxima pode ser acionado para efetuar a doação. Consulte o site para saber mais

Vida Após a Vida
Contato: (31) 3409-9739
Faculdade de Medicina da UFMG | Campus Saúde
Avenida Alfredo Balena, 190 | Cep: 30130-100
Belo Horizonte – Minas Gerais
E-mail: vidaaposavidaufmg@gmail.com

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