Efeito pandemia: medo aparece com mais intensidade na população

Até quando essa emoção pode ser considerada natural e saudável? Entenda o medo, seus sinais e quando é necessário procurar um especialista


02 de junho de 2020 - , , , , ,


*Giovana Maldini

A pandemia causada pela covid-19 colocou toda a população mundial em alerta. A iminência de contágio por uma doença desconhecida fez com que os indivíduos se sentissem receosos com o incerto e as consequências futuras que trará para suas vidas. Esse medo, provocado pela situação estressante, é normal e saudável, segundo os especialistas, desde que não seja excessivo. 

“No contexto atual, o perigo é invisível e, por também ser desconhecido, os indivíduos não estão preparados para lidar com ele, já que, na nossa cultura, não há disponível um repertório transmitido simbolicamente para enfrentá-lo”, comenta o professor do Departamento de Psicologia da UFMG, Gilson Iannini.

O professor também aponta o atual perigo iminente da morte como fator causador do medo. “Sempre denegamos a morte, pois, no nosso inconsciente, somos imortais. Pensar sobre a própria morte pode ser muito difícil e insuportável. Neste momento, estamos diante dela. Por isso, é impossível não pensar sobre”, complementa.

É a diferença deste período em relação as outras situações já vivenciadas que o torna um fator estressante, capaz de desencadear reações emocionais e efeitos físicos no corpo. Então como o medo atua nesse caso? Segundo Maila, é necessário entender que, por advertir sobre uma potencial ameaça, o medo é considerado evolutivamente benéfico. É um mecanismo de proteção que prepara o corpo para ação ou fuga diante de perigos.

Reconheça os efeitos do medo

Alguns medos são inespecíficos ou inconscientes, assim os sinais de alerta são variáveis. Mas é possível apontar alguns sintomas comuns, como mostra o infográfico ao lado.

No caso de uma pandemia, além das manifestações físicas, o medo é capaz de aumentar os níveis de ansiedade e estresse em indivíduos saudáveis ou de intensificar os sintomas daqueles com transtornos psiquiátricos pré-existentes, como relata um artigo da Revista Brasileira de Psiquiatria.

Então há perigo no medo?

Mesmo que funcione como um alerta para o perigo próximo e que leve o corpo a agir, o medo pode ser experimentado como uma reação mais intensa e desequilibrar emocionalmente o indivíduo. “Isso dificulta o entendimento do momento e altera a capacidade de atenção, entendimento e racionalização. Pode também produzir sofrimento além do suportável, trazendo sensação de insegurança, dúvida, impaciência e irritabilidade”, discorre Helian. 

Cada indivíduo reage de maneira singular a essa emoção. Alguns podem ficar ansiosos, angustiados, irritados ou agressivos. O professor lembra que o medo também pode abalar as relações familiares, afetar a qualidade do sono, o apetite, repercutir no ânimo e vontade dos indivíduos e desencadear problemas de saúde, como depressão e pânico, e em casos mais graves, as tentativas de autoextermínio. 

Sobre a ansiedade, o professor Gilson Iannini diz que pode ser vista como uma reação de medo que foi manifestada cedo demais e/ou diante de um perigo imaginário. Isso acontece porque a resposta para o medo também pode ser disparada na ausência de perigo real e muito antes ou depois dele.

“Nosso aparelho psíquico nem sempre sabe reconhecer um perigo real ou imaginário. Isso não é um problema apenas de natureza cognitiva, como se não pudéssemos processar corretamente uma informação. Estão envolvidos aspectos afetivos singulares, além de processos inconscientes e reações atávicas (hereditárias)”, explica Gilson.

Ele ainda informa que o aparelho psíquico também pode falhar em reconhecer perigos externos e internos, como com a angústia, que pode ser vista como um tipo de medo disparado mesmo na ausência de um perigo externo. “É como um impulso interno inconsciente que nos incomoda ou que não reconhecemos como nosso ou que não sabemos direito o que é”.

Como lidar?

Nem sempre é fácil equilibrar as emoções. Mas, até durante o isolamento social, manter a rotina e adotar alguns hábitos são formas benéficas para enfrentar o medo e suas consequências ou distrair a mente de preocupações excessivas.

“Retomar velhos hábitos esquecidos também pode ser benéfico. Aquele violão que você não toca há anos ou aquela aula de inglês que desistiu… talvez seja a hora de retomar. Aquele amigo que você não fala há muito tempo. Inclusive, falar é importante, seja conversar com alguém ou escrever alguma coisa (um diário, um poema, um post). Além disso, anotar e compartilhar os sonhos também é positivo”, sugere o professor Gilson

No caso das crianças, a melhor forma de lidar com seus medos, principalmente relacionado à pandemia, é conversar sobre o que está acontecendo. “A conversa precisa ser adaptada para cada idade, sempre sinalizando sentimentos de positividade e de esperança. É necessário, também, ouvir o que elas estão sentindo e pensando, fazer com que elas consigam ressignificar esse momento”, observa Maila. 

Gilson Iannini acrescenta que, dependendo da idade, a criança se expressa melhor desenhando. Além da conversa, a família pode pedir que ela desenhe o que está lhe causando medo e, a partir disso, conversar.

Para auxiliar nesse momento de diálogo, a família também pode utilizar alguns materiais infantis sobre o coronavírus. Dentre eles, o livro infantil da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o livreto desenvolvido por professores do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. 

“Brincar, manter hábitos saudáveis e rotinas também é importante para amenizar o medo nas crianças. Devemos poupá-las dos noticiários e imagens assustadoras. Não precisamos inflar o medo, mas ajudar a esvaziar. As crianças captam as coisas no ar, mais do que imaginamos. Elas percebem também os nossos medos”

Gilson Iannini

O medo é uma das cinco emoções básicas, assim como a raiva, a alegria, o nojo e a tristeza. O filme de animação Divertidamente (2015) retrata, de forma didática, a manifestação dessas emoções e como lidar com elas. Leia também: Principais filmes que abordam a saúde mental

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*Giovana Maldini – estagiária de jornalismo
Edição: Deborah Castro