Pesquisa inédita avalia se estímulo musical melhora a atenção de crianças com e sem TDAH

Nesse primeiro estudo brasileiro, desenvolvido na Faculdade de Medicina da UFMG, os resultados mostram impacto de ouvirem música enquanto realizam uma tarefa que exige concentração.


20 de dezembro de 2022 - , ,


É comum crianças com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) apresentarem dificuldade em atividades que exigem concentração. Então estimulá-las com música ajuda ou atrapalha? Com o objetivo de responder à questão, a terapeuta ocupacional, Camila Mendes, desenvolveu seu estudo experimental sobre o efeito do estímulo musical na atenção de crianças e adolescentes com TDAH e com desenvolvimento típico. Os resultados foram apresentados como conclusão do seu doutorado no Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina, tornando-se o primeiro estudo brasileiro que avalia especificamente o impacto na atenção e nesse grupo.

Apesar de não encontrar efeito em relação à atenção, como era a pretensão principal, a pesquisa obteve achados relevantes para responder às dúvidas dos pais. Os participantes apresentaram menos erros na atividade em que foram avaliados quando estavam ouvindo música, bem como relataram preferir ter esse estímulo. “Não houve efeito direto na questão de alerta, orientação ou conflito. Não houve diferença fazer com ou sem música, tanto para meninos com TDAH quanto os com desenvolvimento típico”, comenta Camila.

“No entanto, eles erraram menos fazendo com música. Por isso a nossa percepção é de que, talvez, o efeito direto da música não seja especificamente na atenção. Talvez faça ficarem mais motivados a conseguir, mais empolgados e interessados em ir bem naquele ‘jogo’. Então acabam errando menos”, comenta a pesquisadora, que continua:

“Ou seja, incluir uma música favorita da criança, desde que sem a letra e com uma valência positiva, que ela goste, pode aumentar a motivação e diminuir a taxa de erros em suas atividades”

Camila afirma que esses achados também contribuem para a literatura, tendo em vista que mundialmente há apontamentos sobre a relação da música e a atenção, mas de forma controversa e escassa, além da avaliação sobre as especificidades do TDAH ser ainda mais rara. Mas, colabora ainda mais para a base científica do Brasil, por não ter estudos nesta temática.

Essa busca inicial por referências científicas sobre a relação do estímulo para a atenção foi o ponto de partida da sua tese que, inclusive, rendeu um artigo (que pode ser acessado clicando aqui).

Medindo o estímulo do som

Além de terapeuta ocupacional, Camila é musicista. E desde o início da sua vida acadêmica tinha a pretensão de unir as duas áreas, porque acreditava na possibilidade da interseção entre saúde e música. Já o interesse por TDAH deve-se à época de graduação em que atuava no Ambulatório Borges da Costa, do Hospital das Clínicas da UFMG, junto à equipe atualmente nomeada como NITIDA, que trabalha especificamente no diagnóstico e tratamento das crianças com esse transtorno. Foi lá que ela ouviu as queixas dos pais sobre não saberem se deixavam os filhos ouvirem música enquanto faziam o dever de casa, já que gostavam e pediam, mas poderia aumentar a distração.

Pesquisadora no Campus Saúde da UFMG. Foto: Arquivo pessoal.

“A intensão foi mostrar o uso da música, não dentro da abordagem terapêutica, como a musicoterapia, ou dentro da educação musical, mas sim como uma estratégia diária que pudesse ajudar as crianças”, pontua a pesquisadora. Era preciso, também, haver uma relação e não ser qualquer som como o ruído branco ou rosa, por exemplo, apontados por algumas pesquisas como benéficos à concentração. “A trilha escolhida era conhecida pelo público, porque era preciso ter uma relação, um envolvimento emocional, já que isso tende a ser um motivador”, informa Camila.

“É como está na literatura: geralmente há resultado quando as músicas são conhecidas e instrumentais. Por isso a voz foi retirada e chegamos ao formato de um estímulo musical de forma passiva, apenas com o instrumental e escutado com fone de ouvido que barrava ruídos externos”, completa. A pesquisadora acrescenta que a escolha foi feita a partir de uma entrevista prévia à pesquisa, contanto com as próprias crianças com e sem TDAH. “Antes de fazerem o teste, eu ainda mostrei as músicas e perguntei se eles gostavam, se conheciam, se sentiam mais felizes ou mais tristes”. O teste foi feito individualmente, alguns no Ambulatório e outros na casa das crianças e adolescentes, com duração de até 15 minutos, sendo composto por cinco músicas eletrônicas ou de jogos. No computador, a criança realizou o teste de atenção ora ouvindo o som, ora não. “Era uma tarefa específica que exigia sua concentração. Ela tinha que apontar a direção do peixe na tela. Às vezes isso poderia ser dificultado com variações, como aparecer com mais peixes, em direções opostas, ter pistas ou não de onde estaria. E as respostas eram dadas pelo controle semelhante ao de videogame”, explica Camila. “Assim foi possível avaliar três habilidades da atenção: alerta, orientação e o conflito, a partir da comparação do resultado da atividade, para verificar se melhorou ou piorou o desempenho ouvindo ou não a música”.

Esse estudo contou com a participação de 76 meninos de 10 a 12 anos de idade, sendo 34 com TDAH, que eram acompanhados no Ambulatório Borges da Costa, e 42 sem o diagnóstico do transtorno. Eles foram pareados em idade, sexo e nível socioeconômico (classe baixa e média). Segundo Camila, o grupo ser somente do sexo masculino se deve à prevalência do TDAH, sendo, assim, mais fácil de recrutar o número suficiente para equiparação, ainda mais tendo o fator pandemia que dificultou o acesso às crianças.

Caso a caso

De acordo com Camila, há indícios da música motivar as crianças, incluindo aquelas sem TDAH, como foi percebido em seu estudo. “Ainda não se pode generalizar e apontar que fazendo o dever de casa escutando música vai ser bom, porque fizemos um teste específico de atenção e em ambiente controlado. É necessário testar com outras atividades e em outros ambientes”, destaca. “A música atua em várias áreas em nosso cérebro, assim, talvez tenha havido ativações maiores de áreas mais relacionadas a motivação e emoções”, comenta em relação aos resultados encontrados.

“Indiretamente entendemos que sim, o estímulo musical pode ser um caminho. Então deve haver um desdobramento dessa pesquisa para avaliar isso com atividades do dia a dia, com o dever de casa, uma prova de matemática ou tarefa especifica, em casa ou em um ambiente escolar, por exemplo. Aqui a gente tem um ponto de partida para outros estudos na área aqui no Brasil, já que ainda não há a análise dessa relação da música como estímulo para a atenção em pessoas com TDAH”

Ela lembra que seu estudo usou uma tarefa de atenção considerada chata e a tendência era que os meninos ficassem entediados. “A partir disso, em uma tarefa que exige mais esforço cognitivo, que seja mais demorada, talvez a música possa ajudar as crianças terem um desempenho melhor”, declara.

“Então, respondendo as dúvidas dos pais que não sabia se deixavam ou não a criança fazer o dever ouvindo música, minha sugestão é observar se ela erra menos com esse estímulo ou se consegue completar a atividade com mais facilidade. Mas é preciso lembrar que, assim como fizemos nesse estudo, a literatura aponta a relação benéfica do estímulo musical a partir de sons instrumentais, sem letra, e que a criança já tenha afinidade e goste”, conclui Camila Mendes.

Título: Estudo experimental sobre o efeito do estímulo musical na atenção de crianças e adolescentes com TDAH e com desenvolvimento típico
Programa: Pós-Graduação em Ciências da Saúde – Saúde da Criança e Adolescente
Nível: Doutorado
Autora: Camila Guimarães Mendes
Orientadora: Débora Marques de Miranda
Data de Defesa: 5 de agosto de 2022

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