Faculdade participa de estudo internacional que testa vacina para prevenir infecção pelo HIV

Podem participar dos testes homens cisgênero ou pessoas trans que fazem sexo com homens cisgênero e/ou pessoas trans.


01 de fevereiro de 2021 - , , , ,


Imagem do site do estudo Mosaico.

A covid-19 colocou o mundo em um esforço conjunto em busca de vacinas. Mesmo assim, a ciência não deixou de lado outra corrida: um produto vacinal capaz de prevenir a infecção pelo HIV, vírus também pandêmico (aproximadamente 33 milhões de pessoas morreram de doenças relacionadas à Aids desde o início da sua epidemia). É neste objetivo que a Faculdade de Medicina da UFMG se junta a instituições de oito países no estudo, de fase 3, que está testando a eficácia e segurança de vacinas contra o HIV. Os testes já começaram, mas ainda é possível se candidatar, desde que sejam homens cisgênero ou pessoas trans que fazem sexo com homens cisgênero e/ou pessoas trans, além de ter entre 18 e 60 anos de idade.

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A pesquisa, chamada Mosaico, é desenvolvida no âmbito da Rede HVTN e financiada em colaboração com a Johnson & Johnson. Seu principal diferencial, assim como seu maior desafio, é o objetivo de abarcar a proteção para vários subtipos de HIV, segundo o professor Titular Jorge Andrade Pinto, coordenador do grupo de pesquisa em Aids em crianças, adolescentes e gestantes da Faculdade e pesquisador responsável pelo estudo na UFMG.

“O HIV-1, que é o tipo mais comum, tem nove subtipos e várias formas recombinantes, em que esses subtipos se misturam. Essa é uma das grandes dificuldades para seu controle e a razão de ser tão difícil desenvolver uma vacina, mesmo passados mais de 30 anos dos primeiros casos”, aponta Pinto. “Há a dificuldade de desenvolver uma vacina e depois a necessidade de cobrir essa diversidade de vírus. E é justamente essa a proposta do Mosaico, de ser multivalente”, ressalta.

Ele explica que se trata de uma vacina de vetor viral, ou seja, o adenovírus 26 (Ad26) que tem pouca ou nenhuma patogenicidade para a pessoa exposta é usado como vetor e nele são inseridas as sequências específicas de partes do HIV. A inovação é que essas partes inseridas representam a diversidade dos subtipos do vírus HIV. Com isso, pretende-se que seja induzida imunidade aos diversos subtipos. Segundo o professor, estudos preliminares já demonstraram que ela é segura e capaz de induzir o que chama de imunidade cruzada. O outro destaque é que o estudo Mosaico vai associar duas vacinas na mesma pessoa: essa de vetor viral e a vacina contendo a proteína gp140 do HIV.

“Vai começar com a vacina de vetor viral e a pretensão é que suas características permitam uma resposta imunológica bastante ampla, tanto do ponto de vista do anticorpo como de resposta celular. Então há um reforço com a vacina proteica, que tem uma imunidade essencialmente humoral – resposta imunológica por anticorpos -. Então essa é uma estratégia que não é nada simples, até porque a infecção pelo HIV é uma questão complexa e requer um estímulo do sistema imunológico que seja diversificado”

Discorre Jorge Pinto

É importante lembrar que as vacinas testadas nesse estudo não causam a infecção por HIV ou Aids porque utilizam apenas fragmentos do vírus. Espera-se que quando o indivíduo vacinado for exposto ao vírus, nos contatos eventuais de aquisição do HIV, o sistema imune esteja habilitado a reconhecer e eliminá-lo antes que cause uma infecção disseminada.

Como será o estudo

Esse é um estudo duplo cego, que terá a participação total de 3.800 pessoas, sorteadas e divididas igualmente entre grupo placebo e grupo ativo. Na Faculdade de Medicina, especificamente, está previsto o recrutamento de 120 participantes e isso será feito até julho deste ano. Apenas um comitê externo saberá quem recebeu placebo e quem recebeu vacina, sendo responsável por avaliar a segurança da vacina e o número de novas infecções entre os participantes.

De acordo com o professor Jorge, as pessoas passam por uma avaliação de triagem, em múltiplas etapas, em que se esclarece sobre o estudo e as possíveis dúvidas, realizam exame físico completo e uma série de exames laboratoriais. “O paciente não deve estar usando nenhum medicamente que possa interferir no sistema imunológico; não pode ter nenhuma doença que curse com imunodepressão, por exemplo câncer, uso prolongado de corticoides ou qualquer outra doença crônica que eventualmente possa interferir na resposta imunológica à vacina”, acrescenta.

Após avaliação dos resultados e assinado o termo de consentimento para participar do estudo, a pessoa retorna para a visita inicial, em que toma a primeira dose da vacina e depois passa a ser acompanhado por 30 meses. Serão quatro doses de vacinas aplicadas no intervalo de três meses. As duas primeiras doses apenas com vacina de vetor viral, as demais contendo ambas vacinas (vetor viral e proteica). No início o acompanhamento é feito a cada três meses e depois a cada 6 meses.

“No total, esse participante deve vir à clínica 14 vezes no intervalo de 30 meses. Ou seja, a participação requer um comprometimento do voluntário com o centro de estudo, no sentido de permanecer nesse seguimento que é longo. E é importante esse seguimento longo para que possamos ter todas as informações com a maior segurança possível, no sentido tanto da potência como da segurança da vacina”, destaca Andrade Pinto.

Sobre as características do público participante desse estudo, o professor explica que “sabe-se que essa população tem um risco cerca de 10 vezes maior para aquisição do vírus do que a população geral. Então a forma de aquisição primária do HIV é por exposição sexual e esse é o grupo que está mais exposto ao risco de aquisição”. Além disso, ele informa que como se trata de um estudo de eficácia, em que se compara um grupo vacinado com o grupo não vacinado, é importante que haja uma taxa de incidência significativa da doença.

Jorge Pinto ainda comenta que essa vacina de vetor viral Ad26 já foi utilizada em mais de 200.000 indivíduos em estudos para outros patógenos, inclusive para o coronavírus. É uma vacina bem tolerada, que pode dar pequenas reações de febre e dor muscular autolimitadas. “É muito importante, mais uma vez, que o voluntário se comprometa a permanecer na região, aqui em BH, ou região geográfica acessível para seguimento nesses próximos 2 anos e meio”, destaca.

Por que é tão importante ter uma vacina contra o HIV?

Segundo o professor, considerando que atualmente, só há prevenções medicamentosas, como a profilaxia pré-exposição (PrEP) ou a profilaxia pós-exposição (PEP), além dos métodos de barreira, a vacina contra o HIV é necessária, mesmo que não seja uma vacina altamente eficaz.

“Como o HIV é uma doença disseminada e de controle tão difícil, várias estimativas indicam que mesmo que a vacina não seja altamente eficaz, ainda vai poder diminuir bastante o impacto da epidemia. Por exemplo, se você tiver considerando que tenha uma vacina que seja 30% eficaz, mas que seja capaz de vacinar 20% da população em risco de aquisição do HIV, você previne cerca de 5 milhões de casos no intervalo projetado de 10 anos. Agora, se você tiver uma vacina que seja 70% eficaz, no outro extremo, e com uma cobertura de 40% da população, o número de infecções prevenidas no intervalo de 10 anos, vai a 28 milhões”

Jorge Andrade Pinto

Por isso, o professor destaca o potencial desse estudo, que pode resultar em produto com impacto global, mesmo que a vacina não seja 100% eficaz. “A PrEP representa um imenso avanço no controle da epidemia de HIV, mas temos que lembrar que envolve o uso diário e contínuo de medicação. Você tem que continuar usando esse medicamento, pois se para ou esquece de tomá-lo, torna-se novamente exposto e suscetível a infecção”, aponta.

“Então um dos grandes desafios da PrEP é a manutenção da adesão no longo prazo. E para isso tem sido buscado novas estratégias, como usar antiretrovirais injetáveis de ação prolongada, que permitam PrEP com doses mensais à exemplo do contraceptivo  feminino injetável”, continua Jorge.

“Quanto mais modalidades de prevenção nós tivermos, melhor”

 “Quanto mais estratégias de prevenção tivermos e em modalidades diferentes, melhor será para atingirmos nosso objetivo. E isso começa, inclusive pela questão educacional, modificação de comportamento, uso de preservativo, tratamento de outras situações que induzam ao risco, como o alcoolismo ou drogadição, que colocam a pessoa em risco aumentado”, defende Andrade Pinto.

“A doença envolve questões comportamentais de longo prazo e, portanto, não é uma medida de prevenção contra a outra. São todas elas dentro da cesta de estratégia de intervenção que possa prevenir o HIV e, nesse caso, está faltando uma vacina contra o HIV que seja efetiva”, completa.

Faculdade de Medicina no combate à covid-19 e ao HIV

O professor Jorge Pinto também coordena o estudo de fase 3 da vacina candidata da Johnson & Johnson contra a covid-19 na Faculdade de Medicina da UFMG e comenta sobre as surpresas nos desafios da ciência. É que estavam preparando para lançar a vacina de prevenção ao HIV há dois anos, mas surgiu o coronavírus e a pandemia. Assim, antes que a vacina do Mosaico fosse lançada, ele e o grupo de pesquisa que coordena embarcaram em uma nova missão: contra a covid-19.

“É um privilégio poder estar envolvido. Na minha carreira acadêmica de 30 anos, eu trabalho com HIV e nós sempre tivemos essa necessidade de ter uma vacina. Chegar ao ponto de lançar e estar participando de uma iniciativa global para uma vacina que, após décadas, evolui para a fase 3, é realmente muito gratificante e eu espero que tenhamos bons resultados”, declara.

“A participação em duas iniciativas tão críticas quanto a prevenção do HIV e da pandemia pela covid-19 mostra que o papel da Faculdade de Medicina da UFMG é fundamental. Denota a importância estratégica de grupos de pesquisa sediados na Instituição. Nos diversos aspectos, é importante dizer que isso é só mais um exemplo da relevância da Faculdade no cenário científico brasileiro e internacional”

Professor Jorge Andrade

Ele também ressalta a importância de, mais uma vez, o estudo e a possibilidade de uma vacina ter o envolvimento de um grupo multidisciplinar, que se preocupa com a diversidade, a representatividade, “principalmente das populações menos favorecidas, e aqui estamos falando da diversidade de gênero e, não poderia deixar de dizer da diversidade de classe social”. De acordo com Andrade Pinto, o grupo reconhece a importância do envolvimento da comunidade e tem essa preocupação, dando voz ativa aos participantes e aos grupos que representam esses voluntários.  

Serviço
Mosaico (também conhecido como HVTN 706 / HPX3002) é um estudo multicêntrico, realizado concomitante nos Estados Unidos, Espanha, Polônia, Peru, México, Brasil, Argentina e Itália. Sendo que no Brasil, há 8 centros: Belo Horizonte, Curitiba, Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo.

Instituições responsáveis: Janssen Vaccines & Prevention BV, pelo Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) e pela Rede de Ensaios de Vacinas contra o HIV (HVTN).

Objetivo: testar a eficácia e segurança da associação de duas vacinas experimentais contra a infecção pelo HIV. As vacinas do estudo são chamadas Ad26.Mos4.HIV e Bivalent gp140.

Quem pode participar: homem cisgênero ou pessoa trans que pratica sexo com homens cisgênero e/ou pessoas trans. Devem ter entre 18 e 60 anos de idade, não estar infectados pelo HIV e não usar profilaxia pré-exposição (PrEP), além de outros critérios.

Como se inscrever: Em Belo Horizonte, a pessoa interessada pode entrar em contato pelo telefone 31 99331-3658 ou pelo email mosaico.minasgerais@gmail.com.

Duração do estudo: A primeira inscrição foi em novembro de 2019 e os participantes podem continuar se inscrevendo até julho de 2021 ou até preencher as vagas. A previsão de duração é de 4 anos no total.

Mais informações: www.mosaicostudy.com

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