Testes rápidos não garantem passaporte para aglomeração

Falta de acompanhamento médico, baixa acurácia e erros na aplicação de testes podem comprometer resultados.


14 de dezembro de 2020 - , ,


Apesar do recrudescimento dos casos de covid-19 e o alerta de uma eventual piora da crise sanitária, muitas famílias se organizam para encontros de Natal e Ano Novo. A sensação de liberdade dada por uma testagem negativa feita por conta própria pode ser confrontada e não deve balizar decisões, já que há variação na acurácia, aplicação e interpretação dos resultados.

O professor do Departamento de Propedêutica Complementar (PRO) da Faculdade de Medicina da UFMG, Leonardo Vasconcellos, explica que a maioria dos testes rápidos avaliam IgM, IgG ou todos juntos – os anticorpos totais. “Os testes rápidos são dispositivos portáteis, cujo método mais comum é a imunocromatografia. Apresentam diferentes formatos, mas a base possui um local onde se aplica a amostra biológica e outra parte onde a amostra ‘corre’, e interage com reagentes de captura. A leitura é visual e observador dependente. Há uma banda controle, que valida o exame, e no meio do caminho uma outra banda que é a do teste”, explica. 

A técnica do teste rápido é simples, mas os profissionais têm visto aplicações erradas. “Vimos casos onde a amostra biológica e o diluente foram aplicados no local errado, na área de leitura”, alerta. Segundo o professor, algumas pessoas viram nos testes rápidos uma grande oportunidade de negócio. “Qualquer um acha que pode fazer o teste e aí está um problema. Ele deve ser operado por profissional treinado, em local apropriado. Lamentavelmente, vimos exames sendo oferecidos em supermercados e até postos de gasolina. Pela própria limitação dos testes rápidos, os resultados devem ser avaliados por profissional da saúde, pois há muito falso negativo (o que não exclui o diagnóstico) e muito falso positivo (que nem sempre confirma a doença)”, segue. 

Pela necessidade de celeridade no início da pandemia, muitos testes foram aprovados e comercializados. “Quando uma instituição faz a compra, ela tem que validar os testes e muitos não mostraram desempenho adequado como deveria. Agora estão surgindo exames com melhor acurácia no diagnóstico. Mas nem todos são confiáveis”, esclarece Leonardo. 

Quando bem conduzidos, os testes rápidos são aliados de profissionais em tomadas de decisão. “Todo exame tem que ter um laudo, um responsável técnico assinando e garantindo a qualidade. O problema é que banalizou, estão vendendo caro. Mas trata-se de uma metodologia conhecida, utilizada em diferentes doenças infecciosas e metabólicas”, afirma o professor.

A vantagem dos testes rápidos é que podem ser feitos em qualquer lugar, desde à beira do leito até mesmo em áreas desprovidas de aparato laboratorial. Também são úteis em pesquisas que avaliam o perfil sorológico populacional. 

A pandemia ainda continua e a indicação ainda é para evitar aglomerações e buscar um profissional de saúde em caso de sintomas. Quando indicado, o teste deve ser feito em locais seguros e especializados. “Nem sempre as pessoas podem escolher. Mas quem pode deve procurar fazer os exames para covid-19 em local adequado, de preferência em laboratórios clínicos, porque o resultado muda a vida dele”, orienta o professor do PRO. 

Com saúde não se brinca. E em resultado de laboratório também não”

Uma alternativa para checar a qualidade é o Programa de Avaliação de Kits para Diagnóstico do Sars-Cov-2, realizado por força-tarefa da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC), Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML), Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (ABRAMED) e Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL). “Como haviam vários kits, várias marcas, tínhamos que avaliar se faziam o que prometiam”, conta Leonardo. 

As empresas podem pedir a validação do programa, doando alguns kits para os profissionais conferirem a acurácia. São realizados testes em amostras sabidamente positivas e negativas. “Calculamos os dados de acurácia não só de testes rápidos, mas também sorológicos e de biologia molecular”, segue o professor. O objetivo é mostrar o desempenho real dos testes disponíveis, de forma transparente para toda comunidade.

Acesse os resultados clicando aqui 

Captura de tela da iniciativa testecovid19.org

Vírus traiçoeiro

Os laboratórios clínicos não se envolvem apenas no diagnóstico da doença, mas também na avaliação da conduta, evolução dos pacientes e na saúde como um todo. Para isso, são usados exames como o hemograma, proteínas de fase aguda, provas de função hepática, provas de função renal, coagulograma, entre outros. “Todos esses exames podem ser solicitados pelos médicos para monitorar o paciente, conforme as condições clínicas dos doentes.”, explica. 

As alterações mais comuns em hemograma de pacientes com covid nas formas sintomáticas importantes são anemia, queda de linfócitos, leucocitose (em casos de infecções secundárias), redução de plaquetas, elevação de proteína C reativa elevada, VHS, ferritina, calcitonina, interleucina 6 e transaminases, entre outras. 

É um vírus danado. Inicialmente ataca a parte respiratória, mas avança na parte sistêmica, rins, coração, fígado, até falência de vários órgãos

Ciência e laboratórios preparados

O professor Leonardo Vasconcellos é diretor de Ensino da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) e coordenou a grade científica do 1º Congresso Virtual da SBPC/ML.

O evento foi feito no formato virtual entre setembro e outubro, devido às medidas de restrições sociais impostas pela pandemia, que culminou no adiamento do 54º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica, que ocorrerá em São Paulo, no próximo ano.

O tema central do congresso foi “O laboratório Clínico agregando valor a pandemia do novo coronavírus”. Foram 159 palestrantes nacionais e internacionais e mais de 3.000 inscritos, participando de nove cursos pré-congresso, onze encontros com especialistas e apresentações de temas-livres.

Na grade científica, foram 15 conferências, 15 mesas redondas e cinco aulas magnas. “Para interação com o público, tivemos ainda sessão de casos clínicos e área de chats para networking entre congressistas, comissão organizadora e patrocinadores”, conta. Por fim, houveram ainda 15 workshops da indústria. 

A pandemia tirou a sociedade da zona de conforto e isso incluiu a realidade dos laboratórios. “As evoluções que iriam acontecer aos poucos foram aceleradas por esse processo. A parte de coleta domiciliar de sangue se popularizou bastante. O drive-thru, com coleta do material dentro do carro, é novidade interessante. Provavelmente as mudanças vieram para ficar”, afirma.

É interessante ver como o laboratório é capaz de se modernizar em um curto espaço de tempo. O laboratório de hoje está muito mais moderno, com métodos e equipes, se comparado há 10 anos atrás” 

Ele cita ainda o transporte de amostras com robótica, esteiras e tubos pneumáticos, que já existiam em alguns casos, mas eram soluções menos adotadas. “Até drone  está sendo avaliado para o transporte de amostras biológicas. Se colhia amostras com avental, luva, óculos de bioproteção, mas raramente usava-se máscara. Hoje é item de segurança obrigatório”, relata. 


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